quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A força que nasce com a dor ...

Fonte: Google imagem
Eu era tão pequenina e tudo o que eu mais queria era ter acalentado minha mãe. E eu ali num berço apenas chorando e exigindo leite e atenção. Os laços entre minha mãe e minha avó eram fortes demais. Certamente ela sofreu com a perda do meu pai. Mas nada até hoje se compara com a falta que lhe faz minha avó Maria. A dimensão da dor de minha mãe é a mesma de sua força. Até hoje deito em seu colo e digo que gostaria de ser tão forte quanto ela, eu que me sinto tão fraca. Ela me diz que não nasceu forte, que a força nasceu com a dor e que só a necessidade nos faz fortes. Não consigo imaginar o tamanho do que ela sentiu com apenas DEZENOVE anos de idade, sem marido, sem mãe e com uma filha para criar...
Inicialmente fomos para a casa de sua melhor amiga e minha madrinha, pois mamãe só conseguia chorar e emagrecer. Passou dias na cama, mas tinha que cuidar de mim, daí em diante éramos apenas eu e ela no mundo, não tínhamos absolutamente mais ninguém. E mamãe sempre fez o que era necessário fazer. Algo como uma Scarlat O'hara que ao voltar para Tara e a encontrar saqueada e destruída ouve sua empregada perguntar "o que vai ser de nós?" e responde "Eu tenho Tara". E minha mãe tinha a mim. Não para confortá-la, mas para obrigar que ela se lançasse à luta. E foi o que ela fez.
Voltamos para a casa onde morávamos. Agora vazia de todos. Era uma casa de vila em Vigário Geral, bairro pobre do subúrbio, com um quarto, sala e cozinha, não tinha banheiro dentro de casa, o único que havia ficava no quintal e servia a mais três casa além da minha. Numa dessas casas, bem colada a minha, morava meu tio Betinho, sua esposa, tia Nininha e minha prima Rosemeri (que se livrou de se chamar Rosemeri Penha, em homenagem a Nsa. Sra. da Penha). Voltamos mas não havia o que comer, nem dinheiro. Minha avó já idosa, eu e minha mãe vivíamos do pequeno salário do meu pai, que após ter dado baixa no Exército, foi trabalhar como segurança de uma empresa, uma vez que tinha aprendido a atirar e essas outras coisas que se ensinavam no Exército. Mamãe conseguiu receber uns trocados dessa empresa, mas a pensão do INPS (acho que se chamava assim naquela época) iria demorar a sair. Tal qual uma Scarlat O'hara suburbana minha mãe nunca tinha trabalhado, nem fora de casa, nem em casa. Minha avó Maria superprotetora fazia praticamente tudo. Minha mãe nunca tinha me dado banho sozinha, não sabia cozinhar (e até hoje não cozinha bem), tinha medo de tudo, ouvia barulhos à noite em casa. Minha tia Nininha ajudou um bocado. Ensinou minha mãe a fazer algumas coisas básicas. Mas até minha mãe aprender eu sofri um bocado ! Estou viva por sorte.
Essa é a parte quase divertida da história. Mamãe conta que numa das primeiras vezes que foi me dar banho, me colocou na banheira e lembrou que não trouxera o sabonete. Claro que ela me deixou na banheira e foi buscá-lo. Quando voltou encontrou um bebê se debatendo na água, meio roxinho. Chamou minha tia chorando. Sobrevivi. A primeira sopinha que ela cozinhou para mim eu me negava terminantemente a comer. Era só ela colocar a colher em minha boca para eu chorar e cuspir tudo. Ela desistindo de me obrigar a comer, resolveu tomar a tal sopa. Seus olhos se encheram de lágrimas. A sopa era sal puro. Tinha colocado sal às colheradas na panela, sem lembrar de provar. Resolveu colocar um varal para secar minhas fraldas dentro de casa, na sala. Eu estava deitada no sofá. E bate martelo, e bate martelo. Até que o martelo caiu. A milímetros da minha cabeça. E se ela me deixasse engatinhando no quarto, colocando o grande urso laranja na porta do quarto ? eu morria de medo desse urso e tê-lo na porta era garantia que eu não sairia do quarto para a sala. Assim foi feito. Até que ela tivesse que correr para o quarto e com o cabo da vassoura me tirasse do fio do abajour de onde eu estava grudada levando um choque. Claro que teve a vez que fui parar no Hospital Getúlio Vargas por ter engolido uma "maria chiquinha" que usava no cabelo. Ela bem que tentou me fazer vomitar introduzindo o dedo na minha garganta, mas eu vomitara tudo, menos a "maria chiquinha". Só restava o hospital. Rx de cá, observação de lá. Nada. Um mistério que se desfez a voltarmos para casa e encontrar a "maria chiquinha" embaixo da cama. Cheguei a conclusão que eu queria muito viver.
Minha mãe conta que eu era uma menininha muito bonitinha, elogiada por todos. Várias pessoas foram procurar minha mãe e perguntar se ela não queria "me dar" já que estava com tantas dificuldades pessoais. Todos contam que a resposta de minha mãe sempre foi: "minha filha não é filhote de cachorro para ser dado não !". Nem que eu passe fome, a ela nunca faltará comida. Comida e educação. Diz se minha mãe não é a Scarlat O'hara ?

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Primeiro contato com ela, a morte.

Lá na Bahia, nasceu meu pai. Uma família numerosa de muitos irmãos, tipicamente nordestina. Ele veio para o Rio de Janeiro aos 18 anos, queria seguir a carreira militar. Veio servir o Exército e pretendia fazer provas para seguir carreira. Mas ao que parece, 1968 não foi um ano muito fácil não. Ele serviu num quartel, onde nas fotos vi escrito um nome, "Inferno Verde", que ficava lá por São Cristovão. Não consigo vê-lo dando porrada em estudante que faz protesto. Mas eu sei tão pouco sobre ele que morreu em 1972, atropelado na Avenida Brasil, ao ir se encontrar com a amante (o santo da minha mãe é forte). Minha mãe não me contou muita coisa, sei que era botafoguense e vivia cantando "Alegria Alegria". É, acho que a carreira militar não seria a mais indicada para ele naquela época. Quando eu era criança gostava de ficar olhando as fotos onde ela aparece alto, forte, sorrindo com dentes perfeitos, pernas e braços musculosos e aqueles olhinhos meio apertados. Fotos dele no quartel, com a farda da PE, no casamento com minha mãe e no meu batizado. Meu pai era realmente muito bonito. Um dia ele saiu de casa dizendo que ia dar uma volta. Não voltou. Meus pais moravam com a minha avó Maria, numa casa ao lado dos meus tios maternos (tenho dois). Ficaram todos muito preocupados, principalmente minha avó a quem era muito apegado. Foram dois dias procurando pelos hospitais até encontrá-lo internado no Hospital da Ordem do Carmo com traumatismo craneano pelo atropelamento, do que veio a falecer. Cinco dias após o falecimento do meu pai, minha avó Maria foi encontrada morta, pela manhã, na cama onde dormia. Minha mãe descobriu que o marido a traia, ficou viúva e sem mãe, tudo num único golpe. Eu tive meu primeiro contato duplo com a morte e nem tinha ainda dois anos de idade.