segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Pensando em você ...

"Thinking of you"







"Para que tú entres,
a veces de tristeza, el corazón se me abre.
Como una puerta tímida,
para que tú entres, el corazón se me abre.
Pero tú no vienes,
no vuelas más sobre los campos.
En vano mi corazón
a la ventana de su dolor se asoma.
Pasas de largo,
como si el viento
soplase sólo para allá.
Pasa la mañana y no viene la tarde.
Y el corazón se me cierra,
como una mano sin nadie, el corazón se me cierra
".
Manuel Scorza

Mamãe é carioca !


"As jovens viúvas marcadas (...) não fazem cenas, vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se recolhem às suas novenas, serenas."

E depois de ficarmos quase um ano na casa de minha avó baiana, minha mãe não aguentou mais. Tudo tão diferente do que ela estava acostumada, mamãe, uma típica carioca. E outra agravante, mamãe nasceu determinada a ser feliz. Definitivamente, aos 20 anos de idade, ela não iria se comportar como uma viuva ateniense, sobretudo sabendo que o marido morreu atropelado quando ia para a casa da amante. Ah, eles não conheciam minha mãe ! Alguns de meus tios, sobretudo o hipócrita do tio Nando, recriminavam o fato dela insistir em viver com a alegria que lhe é característica, de sair, dançar, ir pular carnaval. E mamãe é osso duro de roer. Até posso imaginá-la dizendo ao meu tio: "olha meu filho, quem morreu foi o seu irmão, não fui eu não. Eu estou bem viva, tá vendo?!". Assim, somando a superlotação insalubre da casa, os hábitos cotidianos bastante diferentes, e o patrulhamento hipócrita do meu tio Nando, um cara de caráter no mínimo duvidoso, mamãe não aguentou. Assim que saiu, finalmente, a pensão de meu pai, ela juntou nossas poucas coisas e voltamos para o Rio. Eu tinha pouco mais de três anos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A verdade da Tropa - O livro e Novo Blog.

"Incursionado no Inferno - A Verdade da Tropa".
Após ler "A elite da Tropa" fiquei com a sensação de que faltava algo a ser dito, restava uma superficialidade não resolvida. Foi então que li "A Verdade da Tropa" (como gosto de chama-lo) pela primeira vez e depois por algumas outras vezes, e sempre descubro um aspecto novo nele, como se o autor tivesse colocado "entrelinhas" perspicazes, que devem ser descobertas com a sagacidade de quem incursiona por ruelas escuras. Não é um livro para violentos ou insensíveis. Muito pelo contrário, é um livro para se lido por pessoas que ainda se emocionam com heróis. Não heróis de um filme "blockbuster", mas heróis cotidianos que muitas vezes nem lhes agradecemos o empenho e a dedicação com a qual se lançam para que por mais difícil a tarefa, ela seja realizada, mesmo que alguns deem a vida para tanto.
O tema não poderia ser mais atual. No entanto, alguns pensam que o livro fala apenas de segurança pública, de táticas de combate ao crime, de operações militares. Não é verdade, nele podemos ler sobre valores raros de ombridade, companheirismo, dignidade, amor ao trabalho, dedicação, solidariedade, cidadania, entre outros que fui listando e escrevendo ao lado de cada trecho onde os identifico.
Desde ontem o Cel. Mário Sérgio colocou no ar o Blog Incursionando no Inferno a Verdade da Tropa. que trata sobre o livro. A iniciativa é excelente, abre-se espaço para que esses diversos aspectos encontrados possam ser debatidos. Então, É SÓ CLICAR NA FRASE ABAIXO DA IMAGEM QUE REPRESENTA A CAPARA DO LIVRO, COMPRÁ-LO e assim como eu, encontrar com valores raros que precisam ser defendidos.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ele - Parte I

Talvez eu possa dizer que a minha vida teve uma mudança em seu rumo quando encontrei o Zé Edu. Foi em 1998. Antes eu era apenas uma menina, e depois dele certamente eu consegui me ver como uma mulher. Ele tão rapidamente me mostrou coisas que eu desconhecia de mim, me estimulou a ter liberdade, auto-estima.
Eu o encontrei por acaso, numa lista de debates sobre o relativismo, começamos a conversar, trocar e-mails, e logo estávamos nos falando ao telefone. No início foi difícil acreditar que ele era físico, com PhD em Yale, na net rola cada lorota, mas depois de nos falarmos e eu encontrar o curriculo lattes e várias referências bibliográficas dele, não tive mais dúvidas, o cara era uma sumidade, um dos maiores especialistas em sua área de pesquisa. Então, claro, bateu a insegurança. O que um cara com mais de 20 anos mais velho, que já viajou praticamente o mundo todo, falando vários idiomas fluentemente, que poderia ter as mulheres mais bonitas e interessantes quando quisesse, iria querer com uma estudante universitária, preocupadas com prosaicas provas e estágios, sem charme, sem graça ? O quê? Era impossível não olhar para ele como quem olha para um astro de Hollywood, sei lá, alguém totalmente impossível.
Mas o impossível aconteceu. Nos encontramos e tudo foi inesquecível. Cada segundo. Nunca pensei que pudesse pegar um carro e dirigir 10 horas seguidas, sozinha pela estrada. Foi uma das minhas primeiras descobertas, eu poderia dirigir sozinha Brasil a fora. Praticamente não parei durante a viagem, mapa na mão, o coração aos pulos dentro do peito e o pé pisando lá embaixo no acelerador. Quando eu cheguei ele estava num posto de gasolina na entrada da cidade. Desci do carro, não sei como pois minhas pernas tremiam muito. Ele me deu um dos sorrisos mais lindos que eu já vi, veio e me beijou na boca, simples assim. Fomos para sua casa, quer dizer, super casa, com um jardim enorme, e piscina, ele me apresentou a cada cantinho. O Zé era divorciado da esposa, e sua filha, da mesma idade que eu, morava com ele. Nos encontramos e ela me tratou super bem, estava saindo para viajar.
Não havia nada a ser dito. Não havia palavras que coubessem naquele encontro. Só nos olhamos, olhamos, sorrimos, sorrimos. Conversamos sem rumo até anoitecer. Fomos jantar, ele me mostrou um pouco da cidade e me deixou dirigir seu carro. Eu perguntei se podia correr com o carro dele, e ele respondeu que sim... nunca corri tanto, subia e descia ladeiras que eu não sabia onde iam dar, em alta velocidade. Ele apenas ria muito e dizia que não sabia quem era mais louca, eu ou ele. Jantamos num lugar lindo e ele me falava das figurinhas do mundo acadêmico, de gente que eu só ouvira falar nas revistas científicas, falava do John Maddox (editor da Nature) como se o cara fosse "íntimo", me falava de políticos e figuras que eu só conhecia dos jornais e de como eles eram. Me contou de suas viagens, tinha acabado de chegar da África do Sul onde tinha voado de balão. Até eu falei que me sentia tão pequenininha perto dele. E o que recebi foi uma descrição linda sobre mim mesma. Eu nunca tinha visto em mim as coisas que ele enumerou. Ele narrou fatos da minha vida e como ele os observava e o que queriam dizer e era como se eu olhasse a minha vida de uma outra forma. Depois dele contar a minha vida para mim, passei a ter orgulho "da minha história". Ele me disse que eu deveria ter orgulho da minha história pessoal e nunca mais esqueci isso.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil.

"Pensei que era liberdade, mas era só solidão!"
("I thought it was free but was only loneliness")

E por falar em Liberdade: Edith Stein.

EDITH STEIN: A LIBERDADE NO MAIS PROFUNDO DO HOMEM.
("freedom in the most intimate of human beings")
(Texto de Elisângela Maria de Jesus e meus grifos)

A conversão de Edith Stein ao catolicismo não supõe renúncia à fenomenologia, quando em 1936, redige sua obra filosófica: Ser finito e Ser eterno, da cela de carmelita, recorda que sua pátria filosófica é a escola de Husserl.
Na busca constante de Edith em compreender o homem, situa em todas as suas obras o homem como ser livre. Na visão steiniana razão e liberdade são constitutivos da pessoa, assim a razão deverá agregar-se à liberdade. O homem nasce para ser livre, porém seguramente o que mais opõe resistência a liberdade, é a própria natureza humana tão complexa. Edith Stein afirma que a pessoa é livre diante de tudo, pois determina sua vida diante de si mesmo. Reconhecendo aqui sua afirmação, o principal determinante para ser livre é o defrontar com seu próprio interior, pois é no mais profundo que está a liberdade para ser. É do lugar mais inconstante, o eu, que o homem está mais próximo de se encontrar e tomar decisões que determinam a evolução do ser, onde as limitações e circunstâncias perdem o poder.
A liberdade para Edith Stein está no plano do auto-domínio e para essa liberdade acontecer o homem deve estar no seu “lugar”. Este lugar não supõe uma subjetividade infrutífera, mas situa-se no constante “devir” da existência humana. Em um momento de sua vida, exclama Edith: “Eis a verdade”, ao ler a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, entre um fim de tarde e o raiar do dia seguinte e após, pediu o batismo na Igreja Católica, deixando após anos de inquietação o judaísmo, religião em que fora introduzida quando criança. Em 1933 entra para o Carmelo de Colônia onde viveu uma vida simples de carmelita, com todas as abnegações pertinentes à clausura. Mais tarde é transferida para Echt, na Holanda onde em 1942, a Gestapo invade o carmelo e leva Edith para Auschwitz, aqui revela a liberdade para Edith, quando em silêncio caminha para o holocausto, nenhuma expressão é proferida: resta o silêncio. Morre aos 09 de agosto, numa câmara de gás. Seu caminho constitui-se de escolhas que contribuem para uma apreciação sobre a liberdade do homem que pode ser compartilhada de forma simples e dramática ao mesmo tempo.
Em Edith Stein, não achamos respostas para o homem conseguir a liberdade, uma vez que estar livre é consentir estar. Não deriva do pensamento Steiniano a verdade plena do homem, mas a percepção do caminho, das escolhas, das decisões que são tomadas a partir do próprio homem diante de si mesmo. A resignação, o silêncio, pode ser ou não liberdade. A angústia da morte, neste caso o holocausto, permite ao silêncio, uma série de interpretações subjetivas a partir do nosso próprio conceito de liberdade.
E este conceito, nasce e morre a cada instante, pois somos senhores e escravos dos nossos atos, determinamos a vida diante de nós mesmos. Não cabe aqui concluir nada, pois o homem com toda sua limitação, não se opõe a gozar de liberdade, uma vez que esta é constitutiva de seu ser e legitimada pelo livre arbítrio.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Porque mudei a foto de abertura do blog ?

"Rua,Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua, como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas"
(Tom Jobim)
Quis mudar. Na foto antiga eu estava viajando sozinha por uma estrada desertíssima no interior de Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha, era madrugada, o céu tinha tanta estrela que parecia que uma delas ia cair sobre mim. Então encontrei uma ponte e ao lado desta uma árvore. Tive vontade de parar o carro e tirar uma foto, com a iluminação apenas dos faróis do veículo. E foi o que eu fiz. E me perguntei: o que estou fazendo, absolutamente sozinha, às três da madrugada, numa estrada deserta do Vale do Jequitinhonha ? A sensação de estar completamente livre tomou conta de mim. Não tinha ninguém na estrada, nem uma casinha ao longe. Eu podia fazer o que quisesse ali, até me matar e o mundo não se daria conta. Foi por isso que inicialmente coloque essa foto no blog. Pela sensação de liberdade que ela me remetia. Eu adoro viajar saboreando a solidão e os perigos das estradas, sobretudo no silêncio da noite.
Mas observando melhor, tinha algo de doloroso, de abandono, de triste naquela foto.
Já a foto atual foi feita quando eu estava muito bem acompanhada numa praia deserta no interior da Bahia. Um mar enorme, de ondas tranquilas, areia branquinha e muito sol. Não pensei duas vezes em cair n'água, completamente nua. Ela conserva a sensação de liberdade, porém com mais calma, alegria, menos dor e solidão que a anterior.

Minha vida na Bahia - Parte I.

Algum tempo após a morte de meu pai e minha avó, a vida aqui no Rio se tornou praticamente impossível. Era 1974 e a pensão do meu pai iria demorar pelos prognósticos mais otimistas, pelo menos um ano, para ser liberada. Minha mãe não tinha com quem me deixar para ela poder trabalhar. As contas se acumulavam. O aluguel atrasado. Os armários de mantimentos vazios. Ainda bem que mamãe não tinha geladeira. Nem dinheiro para comprar passagens para a casa da mãe de meu pai, na Bahia, nós tínhamos. Nós é modo de falar, com apenas dois anos de idade, eu certamente estava alheia a todos esses problemas. Não me lembro de nada, a não ser das paredes de nossa casa, do nosso sofá, do meu urso laranja e algumas poucas coisas. Meu tio Adenil, irmão do meu pai veio de Ilhéus para nos buscar. Mamãe conta que ele era gente boa, tranquilão e hippie, usava calça jeans de boca sino, cabelo sem pentear e uma corrente no pescoço. E lá fomos nós em busca de nem sei o quê, retirantes ao contrário, saíndo do sudeste rumo à Bahia. Mamãe vendeu praticamente tudo o que havia na casa. Só levava roupas e a televisão comprada à prestação por meu pai.
Não consigo, é impossível pensar nisso sem sentir a solidão infinita de minha mãe. Sem vê-la olhando para os lados, sem mãe, sem marido, sem emprego, sem chão. Se fechar os olhos consigo imaginá-la à noite, chorando, o coração apertado.
Na Bahia fomos morar na casa de minha avó. Lá moravam muitas outras pessoas. Meus tios e tias, e alguns primos. Era uma casa grande, muito simples e cheia de gente. Conheci minha bisavó. Uma senhora já bastante idosa, sempre deitadinha em sua cama onde nós lhe pediamos bênção. Conheci tantos outros tios e primos, pois a familia de meu pai é enorme. Conheci uma tia de papai que chamamos Litinha, ou simplesmente "mãe-tia" por ter cuidado de seus sobrinhos com se fosse mãe destes. Lembro vagamente de sua casa. Ficava à beira de um rio chamado "Rio Cachoeira" e atravessava a cidade de Itabuna. Tenho algumas fotos que tirei na margem desse Rio. Mamãe fala que minha prima Lana fazia xixi no chão e o xixi ficava por lá, até secar naturalmente. Certamente isso deve ter aterrorizado minha mãe que tem uma noção de cuidado com a casa muito forte.
Tenho poucas lembranças desse período. Ficamos por lá aproximadamente um ano. Mamãe não se acostumou a casa de minha avó baiana, uma casa cheia, confusa, sem espaço para nós, tão diferente da casa de minha avó italiana, sua mãe e sua maior referência, assim como ela é a minha.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Antíteses - Parte II

"Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:
Tu, que em um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal, em chamas derretido."
(Gregório de Mattos Guerra)
Durante tanto tempo misturei meu medo extremo com uma audácia quase kamikase. Me lançando primeiro às feras, para depois ver as feridas que restavam em meu corpo. Passei a vida andando entre extremos. Tentando equilibrar as diversas faces de uma só pessoa. Tentaram me dizer que eram contradições quando na verdade eram antíteses. E foi com o estudo do Barroco que entendi que a antítese é formada por partes indissolúveis entre si. Uma coisa e seu contrário, unidas para formar por contradição um significado íntegro. Assim sou eu...
HINO À ÍSIS
(Séc. III/IV)

Porque eu sou a primeira e a última
Eu sou a venerada e a desprezada
Eu sou a prostituta e a santa
Eu sou a esposa e a virgem
Eu sou a mãe e a filha
Eu sou os braços de minha mãe
Eu sou a estéril, e numerosos são meus filhos
Eu sou a bem-casada e a solteira
Eu sou a que dá a luz e a que jamais procriou
Eu sou a esposa e o esposo
E foi meu homem quem me gerou em seu ventre
Eu sou a mãe do meu pai
Sou a irmã de meu marido
E ele é o meu filho rejeitado
Respeitem-me sempre
Porque eu sou a escandalosa e a discreta.

Antíteses - Parte I

A REVOLTA DOS DÂNDIS

(Engenheiros do Hawaii)

Entre um rosto e um retrato, o real e o abstrato
Entre a loucura e a lucidez,
Entre o uniforme e a nudez
Entre o fim do mundo e o fim do mês
Entre a verdade e o rock inglês
Entre os outros e vocês

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre gritos e gemidos, entre mortos e feridos
(a mentira e a verdade, a solidão e a cidade)
Entre um copo e outro da mesma bebida
Entre tantos corpos com a mesma ferida

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão

Entre americanos e soviéticos, gregos e troianos
Entra ano e sai ano, sempre os mesmos planos
Entre a minha boca e a tua, há tanto tempo, há tantos planos
Mas eu nunca sei pra onde vamos

Eu me sinto um estrangeiro
Passageiro de algum trem
Que não passa por aqui
Que não passa de ilusão